6.3.11

Escravidão é flagrada em oficina de costura ligada à loja Marisa


Notificações e dificuldades

A SRTE/SP notificou a Marisa a proceder o registro imediato dos 17 trabalhadores e trabalhadoras encontrados na oficina de costura CSV, efeturar a rescisão indireta e pagar as verbas rescisórias, na presença dos auditores fiscais responsáveis pela ação, no próximo dia 5 de abril 2010.

“Faremos a assistência a essa rescisão. Se não houver, na ocasião, a apresentação de todos os documentos que propiciem a conferência dos cálculos e a completa quitação dos valores rescisórios, a empresa será notificada a apresentar rescisão complementar e fazer o pagamento suplementar, tantas vezes quantas forem necesárias para a conferência e quitação”, afirma Luís Alexandre, da SRTE-SP, que também atuou no caso.

A Marisa foi avisada do envio do relatório da fiscalização à Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego (SIT/MTE), bem como aos demais órgãos, como a Polícia Federal (PF), para apuração dos indícios de tráfico de pessoas, às Receitas Federal e Estadual, em virtude de sonegação de tributos, e a representantes do Ministério Público do Trabalho (MPT) e do Ministério Público Federal (MPF).

O auditor Renato Bignami enumera uma série de motivos pelos quais a equipe optou por não promover o resgate dos trabalhadores, como ocorre nas libertações de condições análogas à escravidão no meio rural promovidas pelo grupo móvel de fiscalização.

Primeiro, os nacionais dos países que fazem parte do Mercosul (Argentina, Uruguai e Paraguai), Bolívia e Chile, por força do Decreto n. 6975, de outubro de 2009, têm direito a permanecer provisoriamente no Brasil. Neste caso, o único impedimento para a concessão do visto de dois anos é a existência de antecedentes penais ou policiais. Sendo assim, o resgate com consequente reenvio de bolivianos estaria descartado.

Segundo, muitos dos trabalhadores da oficina CSV vivem no Brasil acompanhados de suas famílias (com esposas e filhos, que não raro frequentam escolas e já foram alfabetizados em Português), diferentemente dos libertados das fazendas brasileiras mantêm famílias em suas cidades de origem. O reenvio desses sul-americanos aos países de origem poderia causar “um trauma maior”, na visão de Renato.

Terceiro, esses trabalhadores têm pertences pessoais como eletrodomésticos, roupas, móveis etc. O transporte desses bens para os países de origem seria inviável. E quarto, não há estrutura pública de abrigo provisório que pudesse acolher essas famílias caso houvesse de fato o resgate.

Renato ressalta que não existem procedimentos definidos para o resgate em ambiente urbano, específico para trabalhadores estrangeiros. Faltam ainda dados confiáveis a respeito desses trabalhadores (Onde estão? Quantos são? Para quem trabalham? Quem os trouxe? Como vieram?).

O auditor pede uma articulação mais efetiva dos órgãos públicos em torno da questão e destaca os problemas da falta de confiança nos agentes do poder público (“pacto de silêncio”) e da baixa conscientização do consumidor brasileiro.

Acordo e posição

Pressionada por denúncias anteriores, a Marisa – assim como as outros magazines do setor – já tinha assinado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho (MPT) em 2007. No documento proposto pela Procuradoria Regional do Trabalho da 2a Região (PRT-2), a rede varejista se compromete a tomar providências (por meio de advertências no site, cláusulas em contratos comerciais e de visitas periódicas a fornecedores) no sentido de evitar ligações com oficinas com trabalho ilegal.

Em resposta à Repórter Brasil, a Marisa insiste que “não mantém e nunca manteve vínculos com trabalhadores estrangeiros em situação de vulnerabilidade ou trabalhadores contratados com condições de irregularidade” e que ”a situação detectada pelos auditores não é de responsabilidade direta ou indireta da Marisa”.

É importante registrar que a Marisa cumpre rigorosamente o TAC celebrado com o Ministério Público do Trabalho”, completa o advogado José Luis Oliveira Lima, que respondeu em nome da empresa. “Pelo TAC, a Marisa não ficou responsável pela cadeia produtiva, mas sim pelos fornecedores devidamente credenciados, e não há no relatório de inspeção nenhuma constatação de trabalho [escravo] nesses fornecedores”.

Segundo o advogado, a Marisa foi “além no cumprimento do TAC” e ”solicitou auditoria não apenas nos seus fornecedores credenciados, mas também nos fornecedores destes”. A empresa não esclarece, porém, nem quais são os critérios adotados e nem se as subcontratadas da Dranys/Gerson de Almeida/Elle Sete, caso da CSV, foram em algum momento auditadas.

A empresa, que alega ter investido cerca de R$ 30 milhões nos últimos três anos em responsabilidade social, sustenta que não existe conivência ou incentivo à subcontratação. “Cada contratado se organiza segundo critérios próprios, inerentes a particularidade de cada segmento. A Marisa não tem acesso ou ingerência à estrutura de custo de seus fornecedores”, acrescenta a rede varejista, que nega ter controle do conjunto do processo produtivo, como afirmam os auditores fiscais.

Por iniciativa da Associação Brasileira do Varejo Têxtil (Abeim) – que engloba outras redes como C&A, Riachuelo e Renner -, a Marisa anuncia que a implantação de um novo modelo de certificação voluntária para combater condições degradantes de trabalho já está em fase avançada de negociações.

A Marisa, sempre com o intuito de aperfeiçoar o seu controle aos fornecedores, encampou a iniciativa da Abeim. Esse sistema vem sendo desenvolvido desde agosto de 2009, sendo um processo complexo que envolve várias empresas do mercado, inclusive, empresas certificadoras”, adianta. A grande novidade, confirma o advogado, é a união de forças com a finalidade de aumentar o controle no setor. “O modelo proposto visa atingir a cadeia produtiva numa maior profundidade, considerando sua enorme pulverização”.

Para a Marisa, “o mercado não pode prescindir de ações de fiscalização conjunta envolvendo os aparatos de fiscalização dos fiscos Federal e Estaduais”, com a finalidade de alcançar ”todos os atores econômicos pelos quais se encontra pulverizada a cadeia produtiva do setor”.

Pacto e mercado

As posições apresentadas pela Marisa não convenem Eunice Cabral, presidente do Sindicato das Costureiras de São Paulo e Osasco. Segundo ela, os grandes magazines têm responsabilidade e “querem se omitir”. ”Não estamos falando de lojinhas de fundo de quintal”, emenda a dirigente. A denúncia que suscitou a fiscalização doi encaminhada pela entidade de Eunice.

O próprio preço praticado pelas redes varejistas, na análise da sindicalista, não reflete os custos de produção e embute a conivência com a precariedade negada pela Marisa. “É impossível comercializar produtos a preços tão baixos cumprindo tudo o que a lei determina. Isso é concorrência desleal”, prossegue. “Quem faz tudo direitinho acaba sendo prejudicado”.

O número de costureiras na região caiu de 180 mil, na década de 1990, para cerca de 80 mil, em 2006. Como a demanda do setor de confecções aumentou durante esse mesmo período, a situação flagrada na oficina de costura CSV seria, para Eunice, um dos principais motivos para a redução drásticas de empregos formais no setor. “O Brasil é grande e estamos de portas abertas para receber gente de outros países. Mas as leis precisam ser cumpridas e todos precisam ser tratados com dignidade”, conclui.

Os auditores fiscais responsáveis pelo caso reconhecem que, diante do emaranhado de pessoas jurídicas intermediárias resultantes da subcontratação (terceirização, quarteirização, quinteirização etc.), a empresa tomadora principal acaba perdendo o controle da mão de obra que está “na ponta”. “Mas no caso específico da Marisa, o que se verificou foi a simulação de contrato de fornecimento, sendo que a empresa mantém a ingerência sobre todos processos que envolvem a produção”, reitera Luís Alexandre.

“Não existe, ainda, um diploma legal que discipline de maneira adequada e suficiente a terceirização de serviços, deixando essa questão inteiramente para o mercado – leia-se, a ´lei do mais forte´”, complementa o auditor.

Os integrantes do Grupo de Combate à Fraude nas Relações de Trabalho e à Terceirização Irregular da SRTE/SP avaliam que a Lei de Anistia Migratória, ao facilitar a concessão de vistos provisórios durante o segundo semestre do ano passado, criou um ambiente favorável à regularização, inclusive do ponto de vista trabalhista. No entendimento deles, o empoderamento dos imigrantes (com a conscientização sobre direitos, a qualificação profissional e a eliminação de aliciadorees que atuam no tráfico de pessoas) é essencial.

Ainda nesse sentido, a SRTE/SP recomenda, por parte das empresa, o cumprimento integral do disposto no Anexo I do Pacto Contra a Precarização e Pelo Emprego e Trabalho Decentes em São Paulo – Setor das Confecções. “Uma parte importante do empresariado ainda não aderiu”, conta Renato.

A Marisa e outras redes magazines da Abeim foram convidadas a aderir ao Pacto Municipal Tripartite, mas declinaram. Aos auditores, a Marisa declarou entender que, por já possuir um TAC firmado com o MPT, não lhe competia ir além dos estritamente acordado nesse âmbito. Já o advogado da empresa declara que as negociações envolveram entidades associativas (e não empresas individualmente consideradas) e a divergência “envolveu a oposição à terceirização de forma geral manifestada no pacto”.

Em 2009, a Marisa teve aumento de 7,4% da receita líquida que, projetada pelo alto consumo da classe C, saltou para R$ 1,5 bilhão. A empresa deve abrir 39 novas unidades em 2010. A rede está investindo pesado nas vendas pela internet. E apesar de todos os problemas apontados pela fiscalização, a reportagem registrou (veja foto acima) exemplares da mesma blusa fabricada pelos imigrantes latino-americanos submetidos à escravidão sendo vendidos, nesta terça-feira (16), em loja da Marisa na capital paulista.

Consultas feitas pelos auditores ao Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) permitem inferir que as outras seis oficinas de costura (cinco delas também pertencentes a bolivianos) que fabricavam a mesma blusa para a Dranys/Gerson de Almeida/Elle Sete não proporcionavam condições de trabalho muito superiores às encontradas na CSV.

Todas elas jamais tiveram movimentação de empregados, o que, segundo os auditores, denota “a imensa informalidade e precariedade das condições de trabalho nesses locais”. Um dos proprietários dessas oficinas se superou: “emprestou” o Cadastro de Pessoa Física (CPF) de uma outra pessoa no preenchimento de nota emitida para as intermediárias.

*O jornalista da Repórter Brasil acompanhou a fiscalização da SRTE/SP como parte dos compromissos assumidos no Pacto Contra a Precarização e pelo Emprego e Trabalho Decentes em São Paulo – Cadeia Produtiva das Confecções

Fonte: ONG Repórter Brasil

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